25 de dezembro de 2017 – Povoado Cana-Brava, Município de Maranhão

Boa noite, pessoal. Eu admito que, neste momento, estou um pouco triste; já chegou a hora de começar a preparar-me para a minha partida da comunidade. Daqui há uns dias, estarei a caminho de São Paulo, uma viagem que me levará ao outro Brasil, ao Brasil que trocou as tribos e a terra pelas cidades e o cimento. Em vez de preparar as minhas malas, entretanto, decidi oferecer-lhes um pequeno resumo de tudo que tem acontecido desde o meu último post.

Se bem me lembro, eu escrevi antes de assistir àquela reunião dos caciques e outros indivíduos importantes na comunidade local. Como sempre, o Ze’e não me desapontou; este evento foi incrível! O meu tempo com o seu povo mostrou-me que os Guajajara, como todas as outras comunidades, tem a sua própria maneira de fazer as coisas; cada grupo indígena sobrevive no mundo contemporâneo usando as suas próprias tradições, estratégias, e atitudes, uma conclusão ostensivamente óbvia, mas que eu não tinha considerado antes de visitar a Cana-Brava. Entretanto, esta conferência desafiou os meus preconceitos ainda mais.

Depois de passar uma semana aqui, eu pensava que sabia tudo que havia para saber sobre a comunidade Guajajara; eu presumi que todas as tribos dessa família fossem mais ou menos iguais, por exemplo, e que as minhas experiências me tinham conferido uma espécie de autoridade sobre o tema. Mas essa reunião mostro -me que eu estava muito enganado. Eu conheci caciques de todas as regiões do Maranhão. Havia representantes das Terras Indígenas maiores, como a Araribóia (composto de 413.288 hectares), e membros das comunidades mais pequenas, como a de Morro Branco (medindo só 49 hectares).[1] E essa foi só a primeira diferença que eu observei; a minha noite foi repleta de conversas, nas quais eu aprendi sobre os costumes e valores, que distinguem as múltiplas comunidades Guajajara.

Um elemento que me interessou em particular foi a questão dos xamãs. Edison, um cacique da Terra de Rodeador, explicou-me que o xamanismo está desaparecendo de muitos povos indígenas, tanto no Maranhão como em outros estados; esse problema tem sido muito difícil para os Guajajara, que têm uma cultura vinculada à natureza e a entidades sobrenaturais.[2] Interessante, essa história xamânica está muito ligada ao sexo masculino, um sistema que talvez venha contribuído para a sua diminuição. Eu achei que o ato de abrir essa tradição às mulheres poderia ajudar a reestabelecer o xamanismo hoje em dia, mas, obviamente, não me competia mencionar isso a um grupo de caciques!

O resto do dia procedeu dessa forma, ao menos até o jantar. Durante a refeição, composta de arroz e cará (um tipo de peixe), eu pude falar com mais pessoas, aprendendo ainda mais sobre os seus povos.[3] Mas a maior surpresa chegou durante a sobremesa, quando Ze’e dirigiu-se à assembleia. Os seus primeiros pontos foram normais: introduziu-se, falou sobre os objetivos da conferência, etc. Mas, mesmo no fim do seu discurso, ele começou a falar sobre mim. Chamando-me de neriquê-ire, uma palavra que significa “irmão”, em Tupi-Guarani, Ze’e elogiou os meus esforços para interagir e assimilar  a sua família, levando a um momento muito emocional para mim.[4]

Há três meses atrás, eu não conhecia os Guajajara; eu nem sabia que eles existiam, muito menos que eles são uma comunidade amável e atenciosa. Nesse momento de reflexão, tendo só uns dias restantes com o Ze’e e a sua família, eu simplesmente espero que eu um dia eu possa retribuir `a sua generosidade e ajudá-los a manterem essa vida preciosa que, infelizmente, não será a mesma quando eu voltar.

[1] “Guajajara,” Povos Indígenas do Brasil, accessed November 29, 2018, https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Guajajara.

[2] Ibid.

[3] Ibid.

[4] “Vocabulário Guajajara,” Linguas Indígenas Brasileiras, accessed November 29th, 2018, http://www.geocities.ws/indiosbr_nicolai/guajajara2.html.