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Filme “Xingu”: Um Lugar no Mundo.

Filme Xingu: Um Lugar no Mundo

Karina Aguilar Guerrero

Setembro 28, 2018

Nossas aventuras começaram nos anos 1940. O governo brasileiro montou uma equipe de pessoas aventureiras dispostas a explorar, mas desde o início, o processo de reunir esse grupo foi um pouco estranho. Eu vi um jovem tirar os óculos e escondê-los antes de se inscrever. Mais tarde, soube que seu nome era Claudio Villas Boas, e que ele era, na verdade,  um homem muito bem educado, embora fingisse não saber ler. Isso me fez questionar o processo de recrutamento. Havia uma razão pela qual ele sentia a necessidade de esconder sua educação? Que motivos o governo poderia ter para não querer pessoas educadas na expedição?

Ao falar com Claudio, achei interessante que, desde o início, seu motivo para participar da expedição fosse “encontrar de um lugar no mundo”, porque muito do que aconteceu depois foi sobre o deslocamento (00:28). Toda a expedição e a formação da reserva do Xingu resultaram no deslocamento de pessoas de um lugar que elas já chamavam de seu – um lugar que já lhes pertencia – e ajudá-las a encontrar um novo lugar em um mundo que muitas vezes não os apreciava nem respeitava. (muito boa observação)

A ideia de pertencer é algo sobre o qual eu pensava muito quando nos aventurávamos na floresta. Alguém chamou nossa missão “uma expedição para penetrar as terras desconhecidas do Brasil central” e penetrar é realmente o termo mais preciso para o que acabamos fazendo (00:42). Penetrar significa entrar, acessar o interior de um espaço mesmo que haja dificuldade, é fazer-se sentir com violência ou intensidade. Por melhores que tivessem sido nossas intenções, as doenças que trouxemos conosco, as portas que abrimos e as coisas que construímos, tornaram nossa mera presença em suas terras um ato de violência. Infelizmente, embora não tivéssemos sido nós, outra pessoa teria feito isso, porque o governo não aceita um não como resposta.

Foi perturbador ver a maneira como as coisas aconteceram porque realmente vimos as pessoas como amigos. No começo, parecíamos muito diferentes: eles não usavam camisas e calças como nós, arcos e flechas eram suas armas principais, e pareciam surpresos com a tentativa de Orlando de abraçar o chefe – embora eu ainda não tenha certeza se  abraçar não faz parte de sua cultura ou se era porque ele estaba abraçando o chefe. A maior barreira que eu acho que nós tivemos que atravessar foi a da linguagem, mas, uma vez que conseguimos estabelecer uma forma de comunicação, fomos capazes de desenvolver relacionamentos mais significativos. Eles foram gentis e acolhedores, e dispostos a nos ensinar seus costumes, e nós realmente temos muito a aprender com eles.

Os brasileiros brancos e “civilizados” muitas vezes desrespeitaram os povos indígenas que viviam nessas terras, como os Kaiabi, alegando que suas terras estavam desocupadas apesar de claramente terem donos. Ainda, “cada povo xinguano possui um acervo milenar de conhecimentos peculiares sobre a natureza” (almanaque, 2011). Muitas pessoas no poder consideravam os indígenas não civilizados, mas eles são pessoas que aprenderam a conviver com a terra e os recursos que ela provê, enquanto tudo o que parece nos importar é destruí-la: então, quem são os bárbaros reais?

Em meio às dinâmicas de poder em jogo e ao abuso e manipulação do governo, conseguimos, pelo menos, abrir o caminho para a criação do Parque Indígena do Xingu que reúne 16 povos. Foi criado em 1961, anos depois de começarmos a nossa expedição, e embora seja a maior reserva  para povos indígenas nas Américas(um território de 2.825.470 hectares,) em realidade, é apenas um remanescente da rica cultura e de tribos variadas que existiam quando chegamos. Ainda mais, “estima-se que na época em que os portugueses chegaram, havia 5 milhões de pessoas divididas em mais de mil povos indígenas” (almanaque, 2011). Eu me pergunto, a qual lugar no mundo pertencem aqueles que nao sao bem vindos na sua propria casa?

(Anti-)Heróis: O Legado Complexo dos Irmãos Villas Boas

(Anti-)Heróis: O Legado Complexo dos Irmãos Villas Boas

Por Bruno Fernandes

23 Setembro 2018

Na memória coletiva brasileira, os irmãos Orlando, Leonardo, e Cláudio Villas Boas, que foram nomeados duas vezes para o prémio Nobel da Paz em 1971 e 1975, são relembrados como santos modernos. Sem seus esforços pacíficos e persistentes, o Parque Indígena do Xingu (PIX) não existiria, e as 16 etnias que agora habitam a reserva estariam em risco de extinção sob a ameaça da expansão branca. No seu filme Xingu (2011), Cao Hamburger retrata os irmãos Villas Boas como heróis complexos com boas intenções, mas fundamentalmente imperfeitos. Hamburger não enfoca apenas o contato pacífico com os grupos desconhecidos do Alto Xingu, que contrasta bastante com os métodos exterminadores dos sertanistas do século XIX,  mas também mostra, de forma reduzida, os modos como os irmãos imitam os colonizadores brancos.

No início do filme, conhecemos Orlando, Cláudio, e Leonardo: três paulistanos educados, que tentam escapar suas realidades burguesas em busca de aventura. Quando os irmãos mentem sobre sua formação, inscrevem-se como peões analfabetos, e fazem o primeiro contato pacífico que termina num intercâmbio de bens entre os brancos e os indígenas, entendemos que os irmãos vêm com a intenção de corrigir a violência exercida pelos bandeirantes precedentes. Esta imagem pura dos irmãos persiste durante as negociações com o Estado de Mato Grosso e o Governo Federal. Os Villas Boas simplesmente querem assegurar o direitos originário sobre as terras nativas e garantir a autonomia dos indígenas no Xingu. [ Eu diria que a ênfase posta sobre os irmãos, prejudica o retrato dos líderes indígenas que não são apresentados como agentes influentes nestas conversas. ]

No 67˚ minuto do filme, Cláudio ganha a aprovação do ministro e começa o trabalho de criar fronteiras para o parque do Xingu. Se este ato termina com o estabelecimento do maior parque indígena do mundo com cerca de 3 milhões de hectares, a criação de fronteiras arbitrárias por um branco, embora tenha sida informada por chefes índios, é um gesto essencialmente colonizador e imperialista. Mesmo que o parque  tenha se tornado um refúgio indígena com acesso limitado aos brancos, as áreas foram rapidamente distribuídas para mineiradores e madeireiros e desmatadas para projetos do Governo Federal como a Rodovia Transamazônica. A violência implicada pelo estabelecimento de fronteiras é resumida na “Operação Caiabi”, na qual Cláudio e seus parceiros vão para a fronteira para resgatar cerca de 500 Caiabi, que estão no trajeto da recém-concebida auto-estrada. Apesar das táticas ameaçadoras de Cláudio, a população Caiabi é dizimada, e menos de 100 Caiabi conseguem fazer a viagem para dentro do parque.

Em resumo, as intenções dos Villas Boas podiam ser boas, mas a criação de uma área designada para os indígenas implica que o território fora do parque é do Governo brasileiro para ser distribuído a fazendeiros e para desenvolver projetos infraestruturais. Eu creio que estas consequências foram inevitáveis, mas estão essencialmente conectadas à criação do parque. O filme tenta  apresentar a complexidade dos irmãos Villas Boas, que aproveitam o máximo do seu poder reduzido para garantir o direito indígena sobre algum território, mas, ao mesmo tempo acabam por repetir os atos imperialistas que tentaram evitar. Mesmo assim, hoje, o candidato que lidera as sondagens presidenciais pretende revogar as proteções garantidas ao povo indígena pela constituição de 1988, e a política dos Villas Boas é necessária agora mais do que nunca.

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