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Belo Monte

Thais Santi é procuradora do Ministério Público Federal no município de Altamira, considerada a cidade mais violenta do Brasil. Um dos assuntos mais urgentes para Santi é o efeito da usina hidroelétrica de Belo Monte. Ela descreve Belo Monte como a representação do que diz a filosófa  Hannah Arendt sobre o totalitarismo: “O mundo onde tudo é possível” descreve uma realidade que opera fora da lei. Apesar dessa avaliação parecer dramática, à primeira vista, a dominância do Direito do governo sem freios, resultou na verdadeira suspensão da lei.

Em uma entrevista com Eliane Brum, “Belo Monte: a anatomia de um etnocídio,” Santi conta que há duas forças que precisam estar em equilíbrio: a Lei, que é rígida e comprometedora, e o Direito flexível. Às vezes, para exercer o Direito, é apropriado não aplicar a lei. Mas se isso acontecer em demasia, a Lei perde sua autoridade. Por exemplo, quando o governo federal fez uma escolha de desenvolver a Amazônia com a hidroelétrica, ele agiu dentro de seu Direito legitimo. Porém, a proteção de povos indígenas e de seus interesses é garantida na Constituição brasileira. Então, a lei só permitia que a obra fosse realizada tomando-se muito cuidado com o meio ambiente e com a compensação para os índios pelos danos. O papel do sistema jurídico é  fazer com que todos os responsáveis obedeçam as leis. Quando Santi entrou com ações contra o governo por este não respeitar as regras da obra, a justiça não agiu. Ela conta:

“Quando eu peço para o juiz aplicar regra…se a regra não foi cumprida, o empreendimento não tem sustentação jurídica. E o juiz me diz: ‘Eu não posso interferir nas opções governamentais”. Isso é prova que a justiça prioriza o Direito do governo mas do que sua responsabilidade de cumprir a Lei. Portanto, o ramo judicial não estar tomando conta da contabilidade, então o governo não tem mais obrigação à Lei. As ações publicas falidas mostram como o sistema jurídico curvou-se ao Direito do executivo, realizando um “mundo onde tudo é possível”.

A justiça favoreceu  o governo e as grandes empresas,  o que caracteriza Belo Monte como uma situação totalitária segundo Arendt. Na sua performance, na TEDxPorto Alegre, “A memória afogada e as palavras-cicatrizes”, Eliane Brum leu um texto poético sobre o impacto da usina hidroelétrica entre os ribeirinhos, uma população cabocla que vive nas margens do rio Xingu. Eles participam de uma economia de troca de bens, e muitos são iletrados. Ela conta a história de um pescador chamado Octávio. Ele foi expulsode sua casa na ilha, no Xingu,pelos advogados da Norte Energia, quando esta estava encarregada de realocar os ribeirinhos, que seriam afetados pela inundação causada pela barragem. Sua famíliamudou-se para um reassentamento urbano, mal construído, com alto custo de vida, e longe do rio. Entretanto, Octávio perdeu sua cultura ribeirinha e sua fonte de renda, e, por isso, ele não tinha maiscondição financeira para sustentar-se. Pela primeira vez, ele teve que pagar aluguel e procurar umempregador, em vez de ter a liberdade de trabalhar por si. Quando Brum pergunta sobre apobreza, os ribeirinhos dizem: “ser pobre é não ter escolha”.  A escolha é o que diferencia a pessoalivre de um escravo, e os ribeirinhos, claramente, perderam sua liberdade.

Assim, a barragem de Belo Monte e a negociação de reassentamento fez com que essa população, com uma cultura muito rica,  passasse a fazer parte das classes pobres e marginalizadas na vida urbana. Isto resultou na destruição da cultura ribeirinha. Assim, Belo Monte atacou o Direito dos indígenas e dos ribeirinhos à sua vida e independência. O governo e a empresa ganharam umDireito sem limites enquanto debilitava-se a proteção da Lei. Esses elementos tornam Altamira eBelo Monte um “mundo em que tudo é possível”.

 

Belo Monte: “anatomia de um etnocídio”

Belo Monte.

Texto escrito a partir da leitura de Eliane Brum, “Belo Monte: a anatomia de um etnocídio.” Entrevista com a procuradora Thais Santi

Por Karina Aguilar Guerrero

Outubro 20, 2018

Infelizmente, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte pode ser classificada como o “mundo em que tudo é possível”, exceto a sobrevivência dos povos indígenas. Neste mundo, as leis falham e o esgotamento de recursos, a morte cultural, e o genocídio abundam. Em lugares como Belo Monte, podemos ver o que acontece quando as pessoas são desumanizadas apenas por serem diferentes. Neste local (na cidade de Altamira), esse processo começou com a dependência criada pela Norte Energia. Essa dependência pode ter muitos efeitos negativos, não apenas na vida física dos povos indígenas, mas também em sua vida espiritual e cultural. Antonio e Dulcineia descrevem a situação dizendo que é “a primeira vez que precisam comprar o que comem, a primeira vez que não têm dinheiro para comprar o que comem, a primeira fome” (Brum, 2018). Ao impedirem sua capacidade de auto-sustentacão, a usina destruiu uma grande parte da cultura ribeirinha. Além do mais, mesmo que não tenham sido deslocados, a destruição da vida florestal que ocorreu para construir a usina também torna extremamente difícil para os ribeirinhos manterem essa parte da sua cultura. “Ser ribeirinho é ter uma identidade singular, determinada por uma relação intima com a floresta e o rio” (Brum, 2018). Não só isso, ao arruinar a estrutura pré-estabelecida, eles elevaram o alcoolismo e os conflitos entre aldeias e a gente indígena.

Os conflitos e a pressão das pessoas que lucram com a usina obrigaram os povos indígenas a não só deixarem suas casas, mas também a viver em extrema pobreza em lugares que não foram realmente projetados para suportar tanto, lugares onde falta estrutura e segurança. Brum dá um exemplo disso quando ela diz, “Uma escola construída para não durar, quando o que deveria ter sido feito era ampliar o acesso à educação na região de impacto da hidrelétrica” (2014). As pessoas no poder tiram tudo o que os ribeirinhos possuem e fornecem quase nada que possa realmente resolver seus problemas.

Todas as coisas que são destruídas por este projeto são insubstituíveis. O governo usa “os rios amazônicos, o recurso mais precioso, aquele que estará escasso no futuro, para produzir energia” (Brum, 2014). Esses rios, essas florestas, esses animais – assim como os seres humanos – fazem parte de um ecossistema co-dependente. O governo e as empresas que apoiam a usina hidrelétrica não parecem perceber que, embora o esgotamento desses recursos tenha um impacto primeiro e mais forte sobre os povos indígenas, eles não são os únicos afetados. As pessoas em todo o Brasil e em todo o mundo precisam desses recursos para sobreviver. Se eles mantiverem esse ritmo de destruição de recursos, culturas, e pessoas, logo nos encontraremos em um mundo onde nem mesmo a sobrevivência é possível.

Genocídio e Progresso: Um Comentário Sobre Belo Monte

Genocídio e Progresso: Um Comentário Sobre Belo Monte

por Bruno Fernandes

19 Outubro 2019

(Texto escrito a partir da leitura de Eliane Brum, “Belo Monte: a anatomia de um etnocídio.” Entrevista com a procuradora Thais Santi)

Quando Thais Santi cita a filósofa Hannah Arendt, ela constrói o contexto político que resultou na transformação da volta grande do rio Xingu numa usina hidrelétrica como o “mundo em que tudo é possível,” e onde a lei foi suspensa. Embora a comparação com a Alemanha nazista dos anos 30 e 40 seja quase um exagero à primeira vista, quando nós nos aproximamos da situação dos moradores, os indígenas e ribeirinhos em particular, nós concluímos que Belo Monte foi um ato desnecessário, fútil, e violento. Belo Monte tem sua origem na ditadura militar dos anos 70 e 80, que suspendeu liberdades civis e travou o sistema de justiça, e apesar de ter sido construída e inaugurada pela Dilma Roussef e o governo do PT em 2016, é precisamente nessa história anti-democrática que precisamos situar o projeto.

Apesar da sua ineficácia, produzindo apenas 30% de sua capacidade total, e o risco ambiental apresentado pelas inundações causadas pela barragem, o governo brasileiro decidiu seguir com a construção, enriquecendo empreiteiros como Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, e, claro, a Norte Energia. O projeto pôs em risco o modo de vida da população mestiça dos ribeirinhos que antes se sustentavam através da pesca e o aviamento–a economia informal baseada em dívidas e na troca de produtos alimentares no rio Xingu. Segundo o artigo de Eliane Brum, “Vidas barradas de Belo Monte,” com a construção de Belo Monte, o ribeirão orgulhoso tornou-se o “pobre urbano” sem qualquer possibilidade de arranjar emprego em Altamira. António das Chagas, um dos 40 mil novos residentes que foram parar na rua depois da inauguração de Belo Monte, reflete sobre o vazio da sua nova vida, “No rio eu sei tudo, na rua eu não sou nada. Quem vai dar um emprego pra mim?” Aqui, os ribeirinhos não tiveram qualquer indenizacão por parte da Energia Norte e o governo federal, e não tiveram como evitar a pobreza urbana, oprimidos não só pelo desemprego, mas também pelos custos altos de eletricidade e a falta de água potável.

O outro grupo que foi significativamente impactado pela construção da usina foram os indígenas da volta grande e do Xingu abaixo, que, apesar de receberem objetos e alimentos por parte da Energia Norte, foram mais prejudicados que beneficiados. Eliane Brum no seu encontro com o cacique Xikrin dos Araweté mostra que as “prendas” de refrigerantes, barcos, e biscoitos oferecidas pela Norte Energia tinham o propósito de adoecer e dividir os indígenas e destruir seu modo de vida. A entrada de produtos consumistas e alimentos cheios de açúcar exacerbou problemas de diabetes e hipertensão em comunidades indígenas que conseguiam se sustentar perfeitamente bem antes de Belo Monte com a pesca e a farinha de coco-babaçu. Os objetos desnecessários passaram a ser vendidos no mercado negro, deixando líderes indígenas com dinheiro no bolso causando divisões com os pescadores da ribeira e suas próprias comunidades que já não tinham qualquer incentivo para praticar a agricultura.

Eu proponho que estes resultados negativos não vieram apenas por causa do descuido da Norte Energia, mas foram criados com a intenção de dividir a ribeira, deixando o ribeirão a viver sem dignidade na cidade e o indígena doente e cheio de coisas que nunca precisou. Quando consideramos o fracasso tecnológico da usina e a persistência do governo brasileiro em não só completar o projeto mas celebrá-lo como um sucesso nacional, conseguimos esclarecer a “anatomia de um genocídio” que ocorreu em Belo Monte.

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