Genocídio e Progresso: Um Comentário Sobre Belo Monte

por Bruno Fernandes

19 Outubro 2019

(Texto escrito a partir da leitura de Eliane Brum, “Belo Monte: a anatomia de um etnocídio.” Entrevista com a procuradora Thais Santi)

Quando Thais Santi cita a filósofa Hannah Arendt, ela constrói o contexto político que resultou na transformação da volta grande do rio Xingu numa usina hidrelétrica como o “mundo em que tudo é possível,” e onde a lei foi suspensa. Embora a comparação com a Alemanha nazista dos anos 30 e 40 seja quase um exagero à primeira vista, quando nós nos aproximamos da situação dos moradores, os indígenas e ribeirinhos em particular, nós concluímos que Belo Monte foi um ato desnecessário, fútil, e violento. Belo Monte tem sua origem na ditadura militar dos anos 70 e 80, que suspendeu liberdades civis e travou o sistema de justiça, e apesar de ter sido construída e inaugurada pela Dilma Roussef e o governo do PT em 2016, é precisamente nessa história anti-democrática que precisamos situar o projeto.

Apesar da sua ineficácia, produzindo apenas 30% de sua capacidade total, e o risco ambiental apresentado pelas inundações causadas pela barragem, o governo brasileiro decidiu seguir com a construção, enriquecendo empreiteiros como Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, e, claro, a Norte Energia. O projeto pôs em risco o modo de vida da população mestiça dos ribeirinhos que antes se sustentavam através da pesca e o aviamento–a economia informal baseada em dívidas e na troca de produtos alimentares no rio Xingu. Segundo o artigo de Eliane Brum, “Vidas barradas de Belo Monte,” com a construção de Belo Monte, o ribeirão orgulhoso tornou-se o “pobre urbano” sem qualquer possibilidade de arranjar emprego em Altamira. António das Chagas, um dos 40 mil novos residentes que foram parar na rua depois da inauguração de Belo Monte, reflete sobre o vazio da sua nova vida, “No rio eu sei tudo, na rua eu não sou nada. Quem vai dar um emprego pra mim?” Aqui, os ribeirinhos não tiveram qualquer indenizacão por parte da Energia Norte e o governo federal, e não tiveram como evitar a pobreza urbana, oprimidos não só pelo desemprego, mas também pelos custos altos de eletricidade e a falta de água potável.

O outro grupo que foi significativamente impactado pela construção da usina foram os indígenas da volta grande e do Xingu abaixo, que, apesar de receberem objetos e alimentos por parte da Energia Norte, foram mais prejudicados que beneficiados. Eliane Brum no seu encontro com o cacique Xikrin dos Araweté mostra que as “prendas” de refrigerantes, barcos, e biscoitos oferecidas pela Norte Energia tinham o propósito de adoecer e dividir os indígenas e destruir seu modo de vida. A entrada de produtos consumistas e alimentos cheios de açúcar exacerbou problemas de diabetes e hipertensão em comunidades indígenas que conseguiam se sustentar perfeitamente bem antes de Belo Monte com a pesca e a farinha de coco-babaçu. Os objetos desnecessários passaram a ser vendidos no mercado negro, deixando líderes indígenas com dinheiro no bolso causando divisões com os pescadores da ribeira e suas próprias comunidades que já não tinham qualquer incentivo para praticar a agricultura.

Eu proponho que estes resultados negativos não vieram apenas por causa do descuido da Norte Energia, mas foram criados com a intenção de dividir a ribeira, deixando o ribeirão a viver sem dignidade na cidade e o indígena doente e cheio de coisas que nunca precisou. Quando consideramos o fracasso tecnológico da usina e a persistência do governo brasileiro em não só completar o projeto mas celebrá-lo como um sucesso nacional, conseguimos esclarecer a “anatomia de um genocídio” que ocorreu em Belo Monte.