Blogs, Diários, e o Povo Guajajara:
Paulo Frazão
Quando eu estava a escolher minhas aulas para este semestre, eu queria passar esses três meses estudando algo diferente, ficando cara a cara com uma perspetiva ou ponto de vista que eu nunca tivesse considerado antes. Deste modo, a aula da Professora Librandi, intitulada “Topics in Brazilian Cultural and Social History – Indigenous Brazil,” pareceu-me a opção perfeita. Apesar de estar buscando um certificado em estudos portugueses e, por isso, já ter completado várias aulas neste campo, eu nunca tinha tido a oportunidade de engajar-me com a voz indígena; a maioria das minhas experiências no departamento focou-se em contextos europeus ou africanos, deixando esses povos nativos sem representação (presumidamente sem querer). Porém, essa classe prometeu preencher essa lacuna usando leituras, filmes, convidados, e outros meios para ajudar-nos a compreender a condição indígena.
A estratégia para desenvolver esta empatia que mais me interessou, entretanto, foi a escrita. Ao contrário dos outros exercícios (como as leituras e os filmes), que eram fascinantes, mas intrinsicamente passivos, a escritura oferecia um método mais ativo e pessoal para um indivíduo envolver-se com os estudos indígenas. Ao longo do semestre, eu completei uma série de blogs sobre o povo Guajajara, um grupo indígena que vive primariamente no estado do Maranhão, no nordeste do Brasil. Nestes posts, eu compartilhei informação, notícias, e reflexões sobre essa comunidade regularmente, um processo que me ajudou a melhor entender as nuances de sua situação. Ao mesmo tempo, eu também construí uma coleção de três diários ficcionais, nos quais eu assumo a personagem de Maurício, um estudante da Universidade de São Paulo, que acaba por viver com uma comunidade Guajajara durante uns meses. Apesar de pertencer à esfera da escrita e de possuir vários outros elementos parecidos com os blogs acima referidos, este exercício narrativo possibilitou que eu abordasse o tema indígena de uma maneira significativamente diferente.
O conjunto de paralelos e disparidades entre estes dois tipos de obra escrita será o foco primário deste trabalho final. Ao longo deste ensaio, eu explorarei as relações entre esses modos de escrita, considerando tanto as diferenças como as semelhanças para melhor entender as oportunidades únicas que cada meio oferece no processo de escrever sobre a condição indígena no mundo contemporâneo.
Antes de entrar nessa análise, entretanto, seria melhor oferecer um pouco de contexto para ambos os trabalhos. Em termos logísticos, os blogs e os ensaios narrativos são muito diferentes. Por um lado, os posts são curtos e regulares; eu postei uma entrada nova quase todas as semanas, criando uma relação complexa com os meus leitores. Enquanto a frequência dos textos parece convidar os leitores a aprenderem um pouco sobre as minhas opiniões e as minhas predisposições (criando “common ground” com a audiência, como explica Michelle Gumbrecht), a sua brevidade cria uma linha na areia, asseverando alguma distância entre as duas partes (Gumbrecht 3). De outro lado, as narrativas foram muito mais longas e muito menos frequentes, em média. Esta combinação estabelece uma dinâmica mais pessoal do que os blogs. O seu tamanho oferece ao escritor muito espaço para contribuir com elementos e detalhes pessoais, e as semanas separando os textos confere ao leitor bastante tempo para refletir sobre o seu conteúdo e internalizar os resultados desse processo. É interessante notar, também, que ao fim do dia a audiência dos dois projetos é a mesma; eu postei os blogs e as narrativas no website que nós construímos no fim do semestre. Obviamente, entretanto, os efeitos que estes trabalhos têm são muito diferentes, ao menos em referência ao seu comprimento e frequência.
Mas também existem outros vínculos entre a narrativa e o “blogging” mais profundos, que revelam oportunidades para indivíduos (como os estudantes na minha aula) que querem engajar-se com populações indígena. A primeira destas relações é o controle profundo que ambos os meios oferecem às pessoas que participam neles, primariamente ao escritor. Escrever é um ato generativo; independentemente do conteúdo que o escritor cria, ele produz algo que (com sorte) não existia antes, deixando uma marca física da sua presença e da sua perspetiva. No seu artigo, “Blogging by the rest of us,” Diane J. Schiano discute a funcionalidade de blogging como “a form of online personal journaling”. Schiano nota que, apesar de ser uma entidade pública, a maior parte dos blogs tem “very few occasional readers;” ao invés, muitas vezes o escritor publica as suas entradas simplesmente como declaração que “blogito ergo sum:” “I blog therefore I am” (Schiano 1145). Neste espaço simultaneamente público e privado, o autor confirma que ele está afetando o mundo, embora seja de uma forma usualmente menor.
Ao mesmo tempo, estes blogs também conferem um certo controle sobre a imagem pública do autor, ao menos segundo Michelle Gumbrecht. No seu artigo, intitulado “Blogs as ‘Protected Space’,” ela observa que blogueiros podem aproveitar a natureza de seu blog para transmitirem opiniões e uma personalidade que não é a sua. Na maior parte dos casos, a audiência que segue um blog pode ser dividida em dois grupos: aqueles indivíduos que têm uma relação profunda com o escritor, e por isso querem apoiá-lo, e aquelas pessoas que simplesmente têm algum interesse no material que o autor discute. Esta dualidade facilita a construção de um “protected space,” onde o autor sente-se confortável publicando qualquer coisa, seja verdade ou mentira; os seus amigos o apoiam e o resto não tem, em teoria, a motivação para tentar corrigi-lo (Gumbrecht 3). Na verdade, este resultado parece-me um pouco improvável, principalmente quando se considera a importância do politicamente correto ou a pressão para desenvolver uma mídia honesta no mundo contemporâneo. Porém, é uma possibilidade que existe e, portanto, uma indicação adicional do nível de controle que este meio online poderia permitir ao autor.
Interessantemente, o mesmo potencial existe na narrativa, devido primariamente à incerteza que existe neste meio. Os autores, especialmente aqueles que têm como objetivo criar uma obra de ficção, têm uma certa liberdade artística; eu, por exemplo, inventei todas as personagens no meu trabalho enquanto tentei manter a autenticidade histórica dos detalhes antropológicos. Entretanto, esta leniência pode ser abusada para mascarar ignorância ou desonestidade, até mais do que no caso dos blogs.
Afortunadamente, este controle sobre as impressões do leitor pode ser utilizado de uma forma positiva. Ultimamente, a questão indígena tem sofrido muito no Brasil. Além da incursão de madeireiros e garimpeiros na sua terra e a violência impune que eles têm utilizado para perpetrar essa invasão, o próprio presidente está contra os direitos indígenas também. Apesar de ter ganho a presidência, Jair Bolsonaro tem a reputação de atacar aqueles indivíduos que não apoiam a sua missão e interesses; em uma entrevista realizada em 1998, por exemplo, ele declarou que foi uma “pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios” (Survival International). Este homem, como muitos outros, tem abusado de sua posição influente para tentar destruir a opinião pública sobre as comunidades indígenas. Meios como estas narrativas e blogs pessoais, então, oferecem uma oportunidade para combater estes esforços. Obviamente, existe o perigo supracitado de o autor misturar o real com a fantasia, falando por estes povos que ele quer defender. Eu tive que negociar este risco nas minhas próprias narrativas. No final do primeiro capítulo da história, a minha personagem nota que os Guajajara “trataram a [ele] como se fosse da família.” Na realidade, entretanto, pode não existir esta cordialidade; talvez a série de incursões, ameaças, e mortes tenha transformado a sua afabilidade em trepidação. Mas, ao fim do dia, esta incerteza é um dos perigos que qualquer autor escrevendo sobre estas comunidades tem que negociar. Ambos os meios têm o potencial de moldar a opinião pública de uma forma positiva (com suficiente esforço e bastante sorte), mas sempre temos que asseverar que a mensagem que compartilhamos não tenta abafar o som da voz indígena. (muito bem!)
Outra similaridade entre as narrativas e os blogs é o potencial para a aprendizagem que os acompanha. Obviamente, um dos objetivos primários de ambos os trabalhos é a exposição de ideias, fatos, e atitudes novas às suas audiências. Na minha obra narrativa, por exemplo, eu tentei incluir fatos interessantes sobre os Guajajara, como as comidas que eles cultivam (mandioca, amendoim, arroz, etc.) e as áreas onde eles moram hoje em dia; ao mesmo tempo, os blogs iniciais contêm até mais fatos, como os primeiros que focaram menos nas minhas opiniões em favor da informação que já existia sobre este povo (Povos Indígenas do Brasil). Estes trabalhos abrangem muita informação cultural também. Além do contexto que os fatos supracitados ofereceram à minha narrativa, por exemplo, eu decidi incluir elementos menos tangíveis, como a própria linguagem dos Guajajara. São elementos desta natureza, mais dinâmicos e, como resultado, mais fascinantes, que me levaram ~a outra realização: os leitores não são os únicos que aprendem e crescem com estes trabalhos.
Normalmente, as tarefas designadas em um curso têm como objetivo o desenvolvimento do estudante em termos das suas habilidades ou conhecimento de um certo assunto. Neste caso, entretanto, com as narrativas e os blogs, eu acabei por internalizar coisas um pouco diferentes. No meu conto, em primeiro lugar, eu aprendi bastante sobre a língua Guajajara, como notei acima. Um membro da família linguística Tupi-Guarani, eles chamam o seu idioma de ze’egete, ou “fala boa,” informação que foi incluída na primeira entrada no meu blog. Obviamente, então, este blog ofereceu-me a oportunidade de explicar certos elementos contextuais desta língua aos leitores. Mas, graças à criatividade que elas possibilitam, as narrativas acabaram por funcionar como uma espécie de tela, onde eu pude pôr o vocabulário Guajajara em prática. No terceiro capítulo, um cacique Guajajara chama o protagonista de “irmão;” mas, para enfatizar até mais o vínculo entre eles, eu queria usar o termo que se usaria numa comunidade Guajajara hoje em dia. Assim, eu comecei um processo de pesquisa, procurando em dicionários Guajajara (que, infelizmente, tinham só as palavras mais básicas) até encontrar o termo correto: neriquê-ire (Línguas Indígenas Brasileiras). Este objetivo simples de usar só uma palavra Guajajara de uma forma criativa resultou em uma investigação que durou quase uma hora, na qual eu tive a oportunidade de estudar os padrões desta língua com mais detalhe e, no fim, adaptá-la para comunicar a minha própria mensagem. Apesar de abordarem o mesmo assunto idiomático, então, a narrativa ofereceu-me uma experiência muito mais pessoal e marcada que os blogs a este respeito. (muito bem!)
A razão para esta disparidade em profundidade, entretanto, é outra questão interessante. A hipótese que me pareceu mais justificável atribui o poder emocional de minha experiência no próprio processo narrativo. No seu livro, “Applied Imagination – Principles and Procedures of Creative Writing,” Alex Osborn declara que “Civilization, itself, is the product of creative thinking;” citando John Masefield, ele nos lembra que “imagination has made life on this planet an intense practice of all the lovelier energies” (Osborn 1). Segundo Osborn, Masefield, e vários outros indivíduos que o primeiro menciona subsequentemente na sua obra, a imaginação tem poder brilhante; através dela, qualquer pessoa pode construir mundos inteiros que até podem influir no mundo real, como nota Osborn. Levando isto em conta, a disparidade entre a narrativa e os blogs não deveria ser uma surpresa. Salvo a inspiração que eu ganhei do material que eu li sobre os Guajajara, e todos os fatos que acompanharam esta pesquisa, eu criei o mundo em que o Maurício vive. Este sentimento de posse do projeto (não das culturas representadas nele) talvez tenha sido o catalisador principal do conforto que eu senti neste processo criativo. Embora Gumbrecht insiste que os blogs são uma espécie de “protected space,” eu senti este efeito até mais com este projeto narrativo; neste caso, entretanto, não foi a minha audiência que me deixou ficar confortável neste espaço, senão a forma generativa através da qual eu interagi com o povo Guajajara.
Outra disparidade entre estas duas formas escritas envolve a noção de tempo que as duas estabelecem através das suas palavras. A temporalidade dos blogs, por um lado, parece fundamentalmente retrospectiva; todas as entradas que eu escrevi, ao menos, possuem o mesmo olhar enfocado no passado. O blog sobre a Sonia Guajajara e os seus esforços é um exemplo interessante deste fenômeno. Nessa entrada do blog, eu discuto a divisão entre homem e mulher na cultura Guajajara, enfatizando a desigualdade que existe em favor do primeiro grupo. Eu concluo este post com uma hipótese, considerando a possibilidade de que outras mulheres deste povo sigam o mesmo caminho que a Sonia Guajajara, que tem tido uma carreira política fascinante e aparentemente sem precedente. Mas, inevitavelmente, tudo que eu mencionei nesta entrada estava contextualizado no passado. Se a Sonia não se tivesse candidatado para a vice-presidência, por exemplo, ou se não houvesse uma história de disparidades sociais baseadas em sexo nesta comunidade, esta entrada não existiria; ela teria sido escrita sobre algum outro tema, sobre o qual haveria suficiente material para continuar a conversa. Parece, então, que a estrutura do blog está intrinsecamente ligada ao passado, uma conexão que facilita a conversa sobre o presente e a conjectura sobre o futuro.
Ao contrário, a temporalidade narrativa é substancialmente diferente; enquanto os blogs tendem a se basearem no passado, as narrativas semi-ficcionais parecem estar completamente separadas do tempo. Na minha série de contos, eu empreguei a estrutura de um diário pessoal para asseverar o que a minha personagem, Maurício, estava vivendo no momento. Apesar de constituírem uma reflexão sobre experiências já passadas, ele continua vivendo no contexto em que elas aconteceram; Mauricio conta os eventos do primeiro capítulo, por exemplo, logo no começo do dia seguinte, minimizando o espaço construído entre passado e presente. Ao mesmo tempo, este formato de diário contribui até mais para este efeito de tirá-lo do tempo, enquadrando as suas experiências como uma corrente de extensão indefinida, terminando só quando as suas reflexões terminarem também. No seu livro, “Travellers’ Tales: Narratives of Home and Displacement,” George Robertson considera a temporalidade narrativa em uma perspectiva parecida, mas sutilmente diferente:
Narrative—as a structure of development, growth and change—the acquisition of knowledge and solution of problems—is conceived as physical process of movement, of disruption, negotiation and return. The movement beyond liminality is marked by a literal movement outside the integrated regimes of a time and space. The ‘trip’ constitutes a lapse in the regular rhythms of mundane existence, it leads to a place where time ‘stands still’ or is reversed into a Utopian space of freedom, abundance, and transparency (Robertson 197).
Segundo Robertson, então, as aventuras de Maurício e o modo com que elas levam ao seu crescimento e maturação constituem um afastamento físico dos limites temporais cotidianos. Na realidade, o leitor sabe quando a personagem entrou nesta comunidade (29 de novembro de 2018, segundo o primeiro capítulo), mas quem sabe se ele acabou por ir-se embora? Na narrativa, não existem os “regular rhythms of mundane existence;” o mundo ficcional possibilita qualquer evento, especialmente quando um autor deixa qualquer tipo de ambiguidade na “conclusão” da sua obra (da mesma forma que a audiência nunca vê Maurício voltando para casa, por exemplo). Contudo, esta discussão serve para mostrar que a questão temporal na escrita narrativa ocupa um espaço até mais intersticial e muito menos concreto de que nos blogs.
De certa forma, o tipo de tempo inerente à narrativa compara-se com o conceito de tempo em algumas tradições indígenas. Richard J. Perry nota no seu libro, “From Time Immemorial: Indigenous Peoples and State Systems,” que muitos estados internacionais reconhecem que a maioria dos povos indígenas “have been there … from time immemorial” (Perry 8). Enquanto os Guajajara, por exemplo, vivem no presente, muitas das suas tradições ainda mantêm elementos em comum com os rituais dos seus antepassados distantes; o momento em que povos como este foram “descobertos” (por falta de uma palavra melhor) pelos europeus, então, representa uma espécie de conflito cronológico. É uma cena popular e frequentemente representada em filmes ou livros: um grupo de exploradores ou antropólogos encontra com uma tribo indígena, desconectado do ritmo e da temporalidade ocidental aos quais o primeiro grupo adere. De qualquer forma, estes encontros iniciais e as subsequentes misturas culturais servem para tirar estes povos do “Utopian space” que eles preservaram até este ponto, forçando-os a se adaptarem aos “rhythms of mundane existence” que Robertson deprecia.
Interessantemente, as próprias narrativas indígenas, outra relíquia do seu passado perdido, parecem construir o mesmo tipo de temporalidade que eu observei nos meus contos. Grupos como os Guajajara, os Krenak, e os Yanomami têm culturas orais riquíssimas, e a maior parte do seu conteúdo é um conjunto de contos e mitos sobre a sua história e aquelas figuras que a possibilitaram. Por um lado, o sujeito destas histórias em si está em linha com a liminaridade discutida por Robertson acima. Em A queda do céu, por exemplo, Davi Kopenawa passa um capítulo inteiro falando sobre os xapiri, “espíritos” com os quais os xamãs interagem na vida diária (Kopenawa 63). Segundo Kopenawa, estes seres são uma presença constante; estão sempre influenciando o mundo físico hoje em dia, da mesma forma que atuaram na concepção da tribo Yanomami. Ao mesmo tempo, entretanto, o ato de contar estas histórias a outra pessoa contribui de uma forma mais profunda para esta intersticialidade temporal. Através do recontar estes contos narrativos, o xamã converte o passado em uma nova instância do presente; com cada audiência nova, ele entra neste espaço liminar de novo, recriando esta cena utópica hoje em dia. De certa forma, nós, se escrevemos narrativas sobre a sua história, tentamos fazer a mesma coisa. Sem querer, a minha narrativa acabou por sublinhar aqueles elementos da cultura Guajajara que eu achei mais fascinantes e que eu gostaria que o resto do mundo apreciasse também. Como antes, entretanto, sempre temos que considerar a linha que nos separa dessa comunidade; o mecanismo central de comunicar a informação é parecido com o indígena, mas, ao fim do dia, a perspectiva da qual devemos construir as narrativas deve ser a nossa.
Assim, estas duas formas de escrever oferecem maneiras diversas de abordar as tribulações indígenas, algumas mais profundas que outras. Mas, de qualquer forma, ainda existem alguns riscos com estes métodos, o mais perigoso sendo o potencial do escritor abafar a voz indígena, dele sobrescrever as suas experiências com as suas próprias inclinações. Ao longo desta aula, entretanto, nós observamos várias maneiras através das quais este risco poder ser combatido. O primeiro passo sempre deve ser o mero reconhecimento deste perigo. Na minha narrativa inicial, eu escolhi o conteúdo com muito cuidado; como mencionei acima, eu queria que o leitor soubesse onde estava a linha separando realidade e ficção, entre fato e aquilo que eu construí. Mesmo assim, houve momentos em que eu assumi a voz de personagens indígenas de uma forma um pouco desconfortável, evidência da presença deste perigo. Outra forma mais direta de combatê-lo é o ato de modificar a sua própria perspectiva para concordar com o ponto de vista daqueles indivíduos que o autor quer representar. Esta foi a estratégia que muitos dos nossos convidados adotaram. Vinicius Furuie, por exemplo, conheceu alguns membros da população ribeirinha para melhor escrever sobre as suas condições, enquanto Sérgio Bairon levou esta ideia ao extremo e pôs a câmara nas mãos do indígena, encorajando-lhes a contarem a sua própria história. De qualquer maneira, estas pessoas encontraram formas de superar este perigo na sua pesquisa sobre populações indígenas (ou outros povos tangenciais), então, a mesma possibilidade existe para nós também. Esta aula ajudou-me a reconhecer que, apesar de sermos apenas estudantes situados em uma universidade a quase 4.000 milhas de distância destes povos, nós temos a agência para ajudá-los. Obviamente, é improvável que os nossos escritos alterem a opinião de Bolsonaro, por exemplo, mas o fato de nós estarmos a estudar este tema e estas injustiças talvez sirva para outros grupos fazerem o mesmo. Com alguma sorte, o material incluído neste curso algum dia pode se transformar em teses universitárias, em projetos de serviço, ou talvez até na fundação de uma organização para contribuir com a questão indígena de uma forma mais direta. Ao fim do dia, os esforços que nós fazemos agora, embora sejam pequenos (um blog cada semana, uma narrativa fervorosa três vezes ao semestre), têm o potencial para resultar em efeitos monumentais. Com muito esforço e bastante discrição, nós podemos contribuir à nossa própria maneira, e eu comecei com um blog e um diário.
Obras Citadas
“Guajajara.” Povos Indígenas do Brasil. Accessed January 10, 2019.
Gumbrecht, Michelle. “Blogs as Protected Space.” SemanticScholar, 2004,
Kopenawa, Davi, et al. A Queda Do céu: Palavras De Um xamã Yanomami. Companhia Das Deltras, 2016.
Osborn, Alex F. Applied Imagination: Principles and Procedures of Creative Problem-Solving. Creative Education Foundation, 2001.
Perry, Richard John. From Time Immemorial: Indigenous Peoples and State Systems. University of Texas Press, 2010.
Robertson, George. Travellers Tales: Narratives of Home and Displacement. Routledge, 1994.
Schiano, Diane J., et al. “Blogging by the Rest of Us.” Extended Abstracts of the 2004 Conference on Human Factors and Computing Systems – CHI -4, 2004, doi:10.1145/985921.986009.
“What Brazil’s President, Jair Bolsonaro, Has Said about Brazil’s Indigenous Peoples.” Survival International
“Vocabulário Guajajara,” Línguas Indígenas Brasileiras, accessed January 10th, 2019.